Segundo Livro da “República do ator”.

                                                         MAURILIO TADEU DE FREITAS








                                                                                                                         



                                                      Título


                      


            ARTAUD - E A CULTURA DA EXPRESSIVIDADE INTEGRAL DO ATOR


                      Segundo Livro da “República do ator”.



    O teatro é um dos lugares mais democráticos que conheço, por isso é popular e erudito, esta em quase todos os espaços, urbano e rural; é vital e necessário para mim, creio que seja para todos. O ritual do teatro contribui significativamente para a consciência social, e de unificação do homem.


“O ator é um atleta do coração... Quero estar acordado nos meus sonhos e viver os meus sonhos como um homem acordado”. Artaud


    Cinema, e Artaud, são ótimas referências no teatro; ele atuou em vários filmes, não é complicado achar fotos e filmes, material iconográfico dele; apaixonado pela vida, anarquista, rebelde, poeta, ator, e encenador. Mergulhar em sua obra, inteiro, é vivenciar uma experiência na lucidez da loucura. Artaud atua inteiro.


     Quando você vê uma criança de 4 anos atuando, sabe, sente a integralidade, a ação é total, plena, é a arte com áurea. Jean Piaget tem um trabalho interessante sobre o comportamento da criança, li uma vez no livro da coleção OS Pensadores; biblioteca de Lafaiete MG. Minha cidade tem uma cultura incrivel, mas precisa melhorar a atenção na cultura; uma cidade pronta vive morta. Bom, se você vê uma criança de quatro anos agindo, vê o adulto também. Esta criança já brinca de atuar, e de ser real.


    A sociedade esta em permanente crise, bandeiras ideológicas e governos desmoronam a todo instante.  Hoje como nunca, facilitados pelos meios de comunicação, restauramos praticas e valores éticos, em uma escala global; com uma velocidade e capacidade de troca de informação, nunca vista na historia da humanidade.


 “Este é um ensaio que mostra paralelos surpreendentes nas descrições de três tipos de observadores da natureza: o poeta, o físico, e o iluminado, que por seus caminhos chegam ao campo unificador de todas as probabilidades. (Borges: Física Moderna e Iluminação – José Gordon Stainer – Trecho retirado da apostila do CPT  - Prêt-à-Porter, 1999).





“Mexer efetivamente com o espírito humano, com o desenvolvimento espiritual de cada ator e de cada espectador”. Antunes Filho





    Ser, e não ser – eis a solução! Diz Antunes Filho no CPT - que com o método - Prèt-à-Porter - possibilita ao ator esculpir a sua obra distanciado do personagem; mesmo fragmentado, dividido entre o personagem e o ator – ele transcende a técnica, assim atua nos 360º, com as 10000 coisas ao redor, na impermanencia com as ações do personagem, no aqui-agora; no método Prêt-à-Porter, o ator atinge a atuação integral, mesmo sem a identificação com a personagem.


“Assim, a caracterização e a máscara que esconde o individuo ator. Protegido por ela pode despir a alma até o ultimo, o mais intimo detalhe. Este é um importante atributo ou traço da transformação”. Stanisávski


 Stanislávski dá vida plena ao papel do ator, com o método da ação física: os elementos do estado interior, o se, as circunstancias dadas, a imaginação, a concentração da atenção, a memória emotiva, os objetos e as unidades, a adaptação, a comunhão, a fé e o sentimento da verdade, e com a máscara.


  “... a utilização de máscaras , mesmo no contexto de seus espetáculos de teatro-dança, mantém um forte vínculo religioso. O uso de máscaras, nesse caso, requer um processo iniciático...O ator se desnudava, mas de outra forma...Ele se entregava a si mesmo e à relação com o público e com os parceiros...”.  Burnier 


Luis Otávio Burnier, no ritual de nascimento do Clown, usa do teatro ocidental e oriental, trabalha com o ator de forma artesanal, ritual com técnica; o objetivo é possibilitar o gesto integral, quando o clown nasce, acontece uma explosão de ações vivas e espontâneas, o ator é ele, e o clown ao mesmo tempo.


“... é essencial o encontro aqui e agora com o outro, em um grupo, essa presença viva: e a volta ao corpo-vida exigirá o desarmamento, a nudez extrema, total, quase inverossímil, impossível na sua inteireza. Perante tal agir toda a nossa natureza se desperta”. Grotovski


Grotovski  com o laboratório do ator,  põe o atuante em estado de sacrifício no palco, no esgotamento, na nudez extrema e total, assim o ator transcende a técnica, cai na atuação unificada, dando vida orgânica a forma.


    Ao longo do tempo, o modo como o ator trabalha com o seu psicofísico sofre mudanças. Nesse processo evolutivo histórico, encontro uma situação semelhante, no que diz respeito - a proporcionar ao ator, atingir a expressão integral - uma forma de atuar que envolve todo o ator na ação cênica. Em função da busca do melhor modelo de atuação, surgiram alguns métodos e técnicas; teorias e praticas, com a intenção de garantir o sucesso do ator no momento que desempenha o seu oficio. Atores e diretores usam de diferentes métodos para atingir – com, ou sem personagem, identificado, ou não com a forma - a expressão integral/unificada/plena/total/inteira/360º, no entanto, obtêm resultados semelhantes.


 “...o que procuro é uma emoção interessada; um certo poder de deflagração, ligado aos gestos e as palavras; a alucinação escolhida como principal meio dramático; quero chegar a isso, que cada espetáculo seja um jogo profundo...”. Artaud


 Se há alguém para receber tal emoção interessada, posso chama-lo de espectador. Concordo com a opinião de Grotovski: ... para o teatro existir, basta um ator, e um espectador.  Posso optar por uma forma de atuação que não tem teatro, mas de certa forma, na presença do outro, o homem sempre atua. Se há uma segunda pessoa envolvida, para ser transmitida uma mensagem, tal mensagem, neste caso, nasce em formas de gestos corporais, e usa de palavras; portanto, este algo a dizer, precisa ser dito de alguma forma, aqui entra a técnica, que equipa e estimula o psicofísico do ator para a mensagem chegar ao destinatário. Seja na vida real, ou no teatro, uso de técnica para atingir os objetivos da transmissão. Então, mesmo atuando como homem sem personagem, há uma técnica para possibilitar tal comunicação; agora, quando estou comigo mesmo, sem presença de alguém, a mensagem é direta, dispensa forma externa de atuação. A diferença é que no palco uso de formas bem especificas, mas inspiradas no cotidiano. Eugênio Barba fala da importância do estado corporal extracotidiano para a atuação no teatro; usa do Sats – as diversas possibilidades de uso da energia pelo ator para atingir uma atuação plena. O palco exige do ator, formas e variações de energias distintas da vida real. Na vida cotidiana um pequeno gesto significa muito, mas no palco é o contrario, lá preciso de certo esforço concentrado, bem maior que aquele que normalmente faço na vida real. De vez em quando na vida cotidiana também preciso de um gesto integral, por exemplo: quando preciso atravessar a rua do tipo Avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte, MG, e bem na hora de pico; imagina que você ainda tenha que atravessar fora da faixa de pedestres?! Neste momento, preciso dobrar a minha atenção; o corpo fica com certa tensão, e o desequilíbrio é precário, uso tudo que sei neste momento para salvar a minha vida; assim também faz o ator no palco no momento que atua. O comportamento do ator varia conforme a necessidade do momento; portanto, precisa de preparo, ensaiar, combinar a situação a ser deflagrada no jogo cênico – se tem jogo, tem regras. O ator fica inteiro, quando pensa e age ao mesmo tempo; este ato integral cria a ação instantânea, que possibilita a expressão eficaz. O ator quando atinge o estado integral, é ao mesmo tempo: texto/técnica/homem/ator; assim produz holografias vivas, orgânicas.  A arte de Artaud vai além da técnica, tem estilo orgânico. A alucinação é lúcida, não é uma possessão desgovernada, e histérica. Artaud odeia a sociedade de vitrine, rígida, materialista, e corrupta. A viagem ao México contribui decisivamente para Artaud confirmar as próprias convicções de cultura não separada da arte; assim mergulha no ritual das raízes.


“Eu vim ao México fugido da civilização européia, produto de sete ou oito séculos de domínio burguês, movido pelo ódio contra essa civilização e essa cultura. (...) e não haverá revolução política ou moral possível enquanto o homem permanecer magneticamente preso nas suas mais elementares e mais simples reações nervosas e orgânicas”. Artaud


Artaud tem a consciência de que precisa reanimar em si, a cultura perdida das origens, capaz de liberar no homem, os Manas: força primordial, mágica e avassaladora, capaz de unir o ser, assim atingir a atuação integral. Esta realização ajuda Artaud a ver, a própria cultura com outros olhos. Artaud queria reaver a cultura do homem, que ainda não tinha separado a arte da cultura; buscava reproduzir no palco uma interpretação alucinada - da imagem do homem que queima - corpo e espírito inteiro na ação, no aqui-agora.  O teatro de Artaud tinha foco, queria tornar a sociedade mais humana, porque sentiu na carne o que é um ato desumano, foi vitima de inúmeras violências.  


“... exprimir objetivamente verdades secretas, fazer vir a luz, por gesto ativos, essa parte de verdades enterradas sob as formas, nos seus encontros com o devir” Artaud.


A necessidade de Artaud em produzir uma revolução radical no teatro, tem sentido, afinal as artes cênicas é um veiculo formador de opinião. Então, para obter sucesso na troca com o espectador, é preciso atingir o gesto honesto, orgânico, faz-se necessário a ação visceral que propicia o confronto consigo mesmo, com o outro, com o mito, e o mundo. Tal teatro que não descreve o homem, mas o coloca nu diante do conflito, é o ponto onde se começa a viver o sonho acordado.


“É preciso encontrar um sentido da vida para o teatro, onde o homem, impavidamente, se torna o senhor do que ainda não é e o faz nascer. E tudo que ainda não nasceu pode ainda nascer, desde que não nos contentemos em ser simples órgão de gravação. (...) O teatro é o local e o ponto onde podemos nos apropriar da anatomia do homem e através dela curar e dominar a vida. (...) Esta visão é a de um teatro não apenas libertada da literatura e da psicologia, mas que reencontraria a eficácia original e mágica (quer dizer criadora de realidade) de uma linguagem de signos unificada, reconciliando, o corpo e o espírito, o abstrato e o concreto, homem e o universo” Artaud.


Artaud não quer simplesmente abolir o texto da cena, quer deixar o texto do tamanho necessário. O teatro necessário para Artaud mantém as suas sombras, no entanto é ilimitado de possibilidades; aí vê as condições para deflagrar o seu projeto de Teatro da Crueldade - de um ritual primitivo, concreto, mágico, metafísico, dialético, e orgânico ao mesmo tempo. Às vezes Artaud me lembra Diógenes de Sínope (404 a.C) filósofo da antiga Grécia que se intitulava de “Cão Cínico”, morava em um barril, vivia como mendigo pelas ruas de Atenas, com uma lamparina na mão, em busca do homem de verdade. É Diógenes, ou o filosofo que representava? É Artaud, ou o ator que representava?


 “Artaud, com sua proposta do Teatro da Crueldade, que não significa necessariamente violência e nem fazer jorrar sangue, como alguns leitores apressados possam supor, embora até possa existir violência, quer ser cruel consigo mesmo, contra os entraves que o impedem de ser ele mesmo. O processo é cruel porque exige lucidez, determinação e rigor. Crueldade é lucidez, rigor, Vida. Neste momento de transformação radical, o Teatro da Crueldade desdobra-se em figuras que o espelham e que o refletem, como suas metáforas: a peste, a alquimia, a metafísica concreta, o teatro balinês, enfim, a Vida”. Felício


“A teatralidade para Artaud tem de atravessar e restaurar totalmente a “existência” e a “carne”. Dir-se-á portanto do teatro o mesmo que se diz do corpo”. Paule Thévenin 


Nascer de novo com a necessidade de ir além da superficial máscara cotidiana. Torna-se vital correr risco para conseguir aquele fogo de Prometeu, a fim de renovar o oxigênio. Artaud acredita ser indispensável o seu “Teatro da Crueldade”. O homem que se renova diante do Totem, viagem através do símbolo que liga corpo/espírito ao sagrado.


“O verdadeiro teatro sempre me pareceu como um exercício de um ato terrível e perigoso. (...) O Teatro é o local o ponto onde podemos nos apropriar da anatomia do homem, e através dela, curar e dominar a vida”. Artaud.  


    Encarar o medo de frente e mergulhar naquilo que temos de essencial, passo fundamental para sair da caverna das marionetes.


“... é preciso uma apropriação do corpo”.  Artaud  


   Artaud muda e inova o espaço cênico quando põe o espectador no centro do palco; quer tirar o espectador da passividade segura da quarta parede. Busca ter presente a união da carne com o espírito, do sentimento com o pensamento, ação sincronizada que produz a expressividade integral. Grotowski também sente a urgência da unificação do homem, quando diz que é necessário sincronizar o pensamento com a ação, razão e emoção; ato que permite reencontrar uma espécie de cerimonial da participação direta e viva. Atuar inteiro como um sacrificado diante do símbolo sagrado, de forma espontânea, no estado onde a carne queima para que o espírito viva; arder em pele sensível; atuar como Van Gogh, quando pinta os seus Girassóis, no fogo iluminado que alimenta o coração abrasado de Artaud, estado psicofísico que faz fluir toda a vida criativa.


“A encenação deve inspirar-se nessa espécie de duplo curso entre uma realidade imaginária e aquilo que se experienciou num dado momento na vida, para abandoná-lo em seguida, quase imediatamente (...) e se há ainda qualquer coisa de infernal e de verdadeiramente maldito neste tempo, é demorar-se artisticamente sobre as formas, em vez de se ser como os supliciados que são queimados, e que lançam sinais das suas fogueiras”. Artaud


Em Artaud não há tempo para dominar completamente a ação física. As ações surgem no espaço ao mesmo tempo em que morrem, numa ebulição viva, integral, daí a finalização da obra é apenas um ponto de partida para novas configurações.  


“Creio que encontrei o título que convém ao meu livro. Será: LE THEÂTRE ET SON DOUBLE pois se o teatro duplica a vida, a vida duplica o verdadeiro teatro... Este título corresponderá a todos os duplos do teatro que julgo ter encontrado há anos: a metafísica, a peste, a crueldade...É no palco que se reconstitui a união do pensamento, do gesto, do ato” Artaud


    A obra de Artaud impressiona pelo vigor criativo, e universalidade. Se Artaud não deixa uma técnica de atuação, como fez Stanislávski, e Grotowski; produz, no entanto, uma obra que vai inspirar gerações de artistas, grupos de teatro, e pesquisadores de várias áreas do conhecimento cientifico. Por outro lado, podemos dizer que o registro do método e da técnica psicofísica para a atuação é importante, bem como qualquer formação mais séria para o ator; sim, é necessário estimular, e aparelhar o ator da melhor maneira possível.  Artaud é ponto de referência em várias áreas do conhecimento científico, motivo da necessidade de constante pesquisa, discussão e encenação. Também é um campo fértil para a criação teatral como um todo; sua obra estimula e desafia quem deseja se aprofundar na história do teatro contemporâneo.

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