Artaud - monólogo de Maurilio Tadeu

Artaud – Adaptação de Maurílio Tadeu do texto teatral encenado por Rubens Correa



O verdadeiro teatro sempre me pareceu como um exercício de um ato terrível e perigoso. O teatro é o estado, o local, o ponto onde podemos nos apropriar da anatomia do homem e através dela curar e dominar a vida. Não temos nada a fazer nem com a arte e nem com a beleza o que nós procuramos é a emoção interessada, um certo poder de deflagração ligado aos gestos e às palavras, a alucinação escolhida como principal meio dramático, nós queremos chegar a isso, que cada espetáculo seja um jogo profundo. Não é ao espírito ou aos sentidos do espectador que nós nos dirigimos, mas a toda a sua existência, a do espectador e a nossa, nós arriscamos a nossa vida em um espetáculo que acontece em cena, se não tivéssemos a certeza de que uma parcela de nossa vida esta empenhada em cena, nós não acharíamos necessário levar mais longe a experiência. O espectador que vem ao nosso teatro sabe que vai se submeter a uma cirurgia de verdade onde não somente o seu corpo, o seu espírito e a sua carne estão em jogo, o espectador deve estar convencido de que nós somos capazes de fazê-lo gritar. Repetidamente percebi que já havia passado da hora de reunir pessoas no teatro, até mesmo para dizer-lhes algumas verdades porque não existe outra linguagem para a sociedade e o seu publico que não seja a das bombas, metralhadoras, violência e tudo que segue daí. Eu não tenho nem teatro e nem palco a não ser o teatro do meu inconsciente e do meu coração, eu tenho um corpo que experimenta o mundo e vomita realidade porque no meu corpo não se toca nunca. O teatro é uma atividade através da qual só resta ao ator mergulhar na morte e viver. Quem sou eu? De onde venho? Sou Antonin Artaud e basta que eu o diga como só eu o sei dizer que imediatamente hão de ver o meu corpo atual voar em pedaços e se juntar sob dez mil aspectos diversos, um novo corpo no qual nunca mais poderão me esquecer, eu sou um abismo completo, eu Antonin Artaud sou o meu pai, a minha mãe, o meu filho e eu mesmo, eu represento totalmente Antonin Artaud, onde as pessoas procuram criar obras de arte eu pretendo mostrar o meu espírito, eu não concebo uma obra de arte dissociada da vida, o mundo sempre foi dividido em duas partes a dos feiticeiros e a dos enfeitiçados, existe uma velha história de que todos falam e eu falo para mim mesmo e ninguém fala nela publicamente embora aconteça publicamente o tempo todo na vida normal, mas que ninguém por causa de uma nojenta hipocrisia geral quer confessar que a percebeu viu viveu é a história de um enfeitiçamento geral da qual todos participam em maior ou menor grau, sempre tentando esconder a sua participação seja com o inconsciente seja com o subconsciente, mas principalmente com toda a sua consciência. A finalidade desse enfeitiçamento é sustar uma ação que eu iniciei a anos e que consiste fazer com que todos abandonem este mundo fedorento em acabar com este mundo fedorento, as pessoas são idiotas, não existe mais nada nem ninguém, a alma é insana, não existe mais amor nem ódio todos os corpos estão saciados as consciências resignadas a literatura esta esvaziada, não existe nem mesmo aquela inquietação que penetra no vazio dos ossos, só existe uma enorme satisfação de inertes almas bovinas escravas da estupidez que as oprimem e com a qual copulam sem para noite e dia. Escravos como eu que tentam manifestar o seu desespero contra uma vida conduzida por um bando de criaturas insípidas que querem nos impor o seu ódio contra a poesia o seu amor por uma estupidez burguesa num mundo inteiramente aburguesado com todo esse ronronar verbal de sovietes, anarquistas, socialistas, istas, esse mundo que apenas sobrevive a cada dia que passa e a cada dia a alma também é chamada para finalmente nascer e vir a ser, eu sei que tudo isso é pessoal, eu sei que não interessa a ninguém porque as memórias dos poetas mortos são lidas, mas para os poetas vivos não mandam si quer uma xícara de chá ou um pouco de ópio para reconfortá-los. Eu tinha um bastão que eu usava para espantar os maus espíritos, eu sento o pau neles, mas não adianta de nada porque depois da surra eles voltam mais fortes ainda, eu tinha um bastão que eu havia levado comigo para a Irlanda a fim de encontrar vestígios da antiga cultura dos Celtas que ainda poderia existir; de setembro de 1937 até hoje, eu fui preso e encarcerado na Irlanda, deportado para a França e internado em asilos e hospitais psiquiátricos, ambulâncias casas de saúdes, camisas de força, eletro choques. Eu venho do total e do absoluto de mim mesmo, eu acho que há na terra homens maus que querem o reino do mau e que para isso estão organizados em seitas e que pelos exercícios de suas abominações e dos seus crimes, mantém a vida na baixeza, no ódio, na guerra, na ignomínia, eu sinto repulsa pela vida porque percebo que vivemos num mundo onde nada é poupado e onde qualquer coisa pode ser ridicularizada e acusada de delirante, acusada de delirante; minha historia é de uma iniqüidade sem nome de um crime e eles não querem permitir que vocês vejam, eu sofro de uma terrível doença do espírito, o meu pensamento me abandona em todos os níveis, eu cheguei ao ponto em que eu não toco mais na vida, mas eu tenho em mim todos os desejos insistentes do ser, eu não tenho senão uma obrigação me refazer, eu me conheço e isso me basta, eu me conheço porque me assisto, eu assisto Antonin Artaud, um homem dentro e no lugar exato da falha do escorregão inconfessado, eu sou aquele que melhor marcou os minutos dos seus mais íntimos, dos seus mais insuspeitáveis deslizamentos, na verdade eu me perco no meu pensamento como se sonha e volto repentinamente ao pensamento, quando eu me penso, o meu pensamento me procura no éter de um novo espaço, escolhi o caminho da dor e da sombra como outro escolheram o do brilho e do sucesso, eu não trabalho na dimensão de um espaço qualquer, eu trabalho numa única dimensão, a vida vai acontecer e os problemas vão se resolver; eu não tenho nada a esperar nem do lado físico, nem do lado moral, para mim somente a dor eterna e a sombra, a noite da alma e não tenho voz para gritar; os manicômios são recipientes premeditados e conscientes de magia negra, não são porque os médicos promovem a magia por meio de suas terapias híbridas e inoportunas, mas também porque eles praticarem a magia, se não existisse médicos, não, ia existir doentes, nem esqueletos dos mortos, doentes para serem esfolados e retalhados, porque a sociedade não começou com os doentes e sim com os médicos; é quase impossível ser ao mesmo tempo médico e uma pessoa honesta; aqueles que estão vivos vivem dos mortos é preciso que a morte também viva e nada melhor do que um manicômio para incubar carinhosamente a morte, essa terapia de morte lenta, começou a 4000 anos antes de Cristo e a medicina mercenária cúmplice da maior magia negra, aplica nos seus mortos o tratamento do eletro choque, no eletro choque há um esvaziamento pelo qual passam todos os que receberam choques e que os leva não ao conhecimento mais ao terrível e desesperador desconhecimento de quem são, quantos são, a medicina mercenária mente quando diz que cura um doente com eletro choques, eu pessoalmente só vi pessoas aterrorizadas, incapazes de se reencontrarem, quem passou pelo eletro choques nunca mais volta das trevas, sua vida foi degradada, degradada, criaram a morte de uma maneira tão artificial, favorecendo a volta de um nada que nunca ajudou a ninguém a não ser alguns aproveitadores do homem que com isso se sustentam a muito tempo. Eu quero me queixar por ter encontrado no eletro choque mortos que eu preferia não ter visto, tudo o que eu pergunto é por que? O que é um verdadeiro louco? Foi assim que a sociedade mandou estrangular nos seus hospícios todos aqueles que lá queria se ver livre, onde que ela se desejava se defender, porque o louco, é também um home que a sociedade não quer ouvir, não quer ouvir, e que ela quer impedir que ele se renuncie, verdades insuportáveis, mas neste caso o internamento não é a única arma da sociedade, e a coligação dos homens tem outros meios para vencer as vontades que a deseja esmagar, além dos feitiços dos bruxos menores existem as grandes seções de enfeitiçamento global, na qual fazem parte toda a consciência amedrontada, foi assim que houve feitiços coletivos de milhares de seres humanos, inclusive no caso de Van Gogh, no caso de Van Goh, isso pode acontecer durante o dia, mas também pode acontecer durante a noite, aí então estranhas forças são provocadas e levadas para os círculos para essa espécie de cultura negra acima da respiração da humanidade que constitui a venenosa hostilidade do mundo maligno que habita na maioria das pessoas. É assim que as raras pessoas de boa vontade ainda lúcidas se encontram em certas horas do dia ou da noite, num estado de autentico pesadelo, mas acordadas e rodeadas por uma sucção fortíssima, por uma violenta opressão tentacular de uma espécie de magia cínica que em pouco tempo vai aparecer nos costumes; onde é que fica inserido o lugar do eu humano? Van Gogh procurou isso durante toda a sua vida com intensa energia e determinação, ele não se suicidou no estado de loucura no desespero de não encontrar o seu eu, pelo contrario, ele tinha acabado de encontrá-lo e de descobrir o que ele era e quem ele era, quando a consciência coletiva da sociedade para puni-lo por ter encontrado o seu eu, o suicidou, isso aconteceu com Van Gogh como acontece habitualmente por ocasião de uma missa, ou de uma orgia, uma consagração, possessão, encubação, assim essa sociedade vampiriza o seu corpo; nunca ter podido viver, a não ser como um possuído. Existe em todo louco idéias brilhantes na cabeça, mas que amedrontam as outras pessoas; então, nada mais que pintar, Van Gogh, nada mais, sem filosofias, isticas, sem historias, literatura, poesias. Esses girassóis, eles são pintados, eles estão pintados como girassóis e nada mais, mas para compreender um girassol da natureza é preciso voltar a Van Gogh, assim também para compreender um céu tempestuoso não é possível sem voltar a Van Gogh, sem fazer literatura. Eu vi o rosto de Van Gogh, rosto que em sombras me persegue vermelho de sangue na explosão das suas imagens num bombardeio; vingadores desse fardo que o próprio Van Gogh, o louco foi obrigado a carregar pendurado no pescoço durante toda a sua vida, o fardo de pintar sem saber para que, nem para quem, porque não era para esse mundo de horror, de corrupção, de miséria, de fome, hipocrisia; por essa terra fomos todos envenenados, finalmente nos suicidamos, nós, todos nós somos um pobre Van Gogh, nós somos os suicidados as sociedade, eu quero estar acordado nos meus sonhos e conduzir os meus sonhos como um homem acordado. Antonin Artaud morreu em agosto de 1939, no asilo de Vilevrar por causa de maus tratos e envenenamento, aí então aconteceu um milagre, esse milagre fez com que eu seja acusado de mitômano delirante, é que Antonin Artaud morreu, seu corpo foi levado de Vilevrar à noite e este fato foi testemunhado por várias pessoas, nessa mesma noite Deus colocou uma alma diferente num corpo idêntico ao seu e uma pessoa diferente acordou na manhã seguinte na mesma ala do asilo no leito de Antonin Artaud um corpo idêntico ao seu, mas um novo e diferente, e já não era Antonin Artaud, com o passar do tempo esse alguém tomou conhecimento de quem era e se chama Antonin Narbas, sou eu mesmo, levo comigo a recompensa da vida inteira de Antonin Artaud, já que sou o seu continuador na terra, a procura de um milagre do céu ou de uma revolução da consciência humana, que por outro lado já não acredito me devolva a liberdade, tirando-me da polícia Francesa, porque eu nunca fui Frances, mais para a administração do hospício eu continuo sendo Antonin Artaud, já que possuo a sua aparência física o seu estado civil a sua estatura, sua letra, mas qualquer pessoa que me conheça qualquer uma, logo percebe que é outra alma que esta aqui, e que ela vem de um outro ponto do céu, mais esses fenômenos são de natureza muito insólitos para serem confirmados num asilo de loucos, loucos, há bom! Louco, eu sou um eterno ser humorístico, eu carrego uma cruz, hum humor, não posso carregar outras, eu tenho um nome que minha mãe me deu quando eu tinha 4 anos, isso é que eu tenho de mais puro dentro do meu ser.

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